A contratação de pessoas jurídicas como prestadoras de serviço é regulamentada pelo artigo 593 do Código Civil. Portanto, não pode ser considerada ilegal ou criminosa. Entretanto, há situações que podem enquadrar a prática como ilícita.

Segundo a advogada e contabilista Bruna Barbosa, a chamada pejotização é passível de punição pela Justiça do Trabalho toda vez que a relação do empregado com o empregador estiver nos mesmos moldes da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).

A especialista explica que um profissional empregado pela legislação trabalhista obedece aos seguintes vínculos:

subordinação – diz respeito à obrigação de um funcionário em justificar os dias não trabalhados. Exemplo: se faltou porque ficou doente, justificou e recebeu o salário da mesma forma;

habitualidade – presença de um horário ou expediente fixo;

onerosidade – recebimento de dinheiro pelo serviço prestado;

pessoalidade – a função na companhia é realizada por uma só pessoa. Não há substituto formal para o cargo.

É necessário quebrar com ao menos uma dessas características para que a contratação via PJ (pessoa jurídica) não seja ilícita, diz Bruna.

A advogada deu exemplos: um funcionário contratado como pessoa jurídica que precisa justificar suas faltas, recebe salário e exerce função única na empresa precisa ter um horário flexível. Caso contrário, o vínculo de trabalho é ilegal.

Outra situação: uma PJ presta serviços, é remunerada, tem horário fixo, mas precisa se ausentar. No momento que o indivíduo enviar um substituto para exercer sua função, há quebra da pessoalidade e o contrato via PJ é viabilizado.

Bruna afirma que, geralmente, não há quebra de habitualidade na pejotização. Isso dificultaria a execução de uma tarefa na companhia. Também diz ser incomum a quebra da onerosidade. “Ninguém vai trabalhar de graça”, disse a profissional ao Poder Empreendedor.

A punição pelo tratamento de um vínculo de prestação de serviço como CLT pode resultar na aplicação de multas e em processos na Justiça do Trabalho.

Um caso de reconhecimento de ilicitude da pejotização se deu em Belo Horizonte (MG) em 2019. Um professor começou a atuar como PJ em uma escola depois de ser demitido formalmente pela mesma instituição. Entretanto, a 17ª Vara do Trabalho da capital mineira constatou haver relações que configurariam a relação formal de contratação.

“O trabalhador é um prestador de serviços aparente, mas, na prática, atua como verdadeiro empregado, desempenhando suas atividades com pessoalidade e subordinação”, diz a sentença da juíza Lucilea Lage Dias Rodrigues.

Foi decidido que a escola deveria pagar os direitos trabalhistas negados ao ex-funcionário.

O Poder Empreendedor pediu para Bruna Barbosa responder alguns questionamentos sobre a pejotização. Segundo a advogada, que faz vídeos sobre o assunto no TikTok, a desinformação sobre a legislação é comum e pode levar a diversos erros, tanto para o contratante, quanto para o contratado.  Leia as perguntas e a análise da especialista:

PJ TEM LIMITE DE HORÁRIO?

Não. Como a pessoa jurídica não tem nenhum vínculo CLT, pode trabalhar quantas horas quiser e receber a mais por isso.  “[O funcionário PJ] pode trabalhar até 24 horas se ele quiser. Aí é a ganância dele”, disse Bruna.  Entretanto, há possibilidade de o contrato firmado entre as partes conter alguma especificação sobre notificação e limite de horário. Varia conforme o caso.

QUANDO O PJ PODE ENTRAR NA JUSTIÇA CONTRA O EMPREGADOR E TER ALGUMA PERSPECTIVA DE CAUSA GANHA?

Quando ele se sentir tratado como um trabalhador CLT. Há fraude na prestação de serviço se a manutenção se todas as 4 características do vínculo formal (subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade) forem comprovadas.

Se um PJ tiver que faltar e a empresa pedir atestado –como é exigido nas leis trabalhistas– por exemplo, pode configurar uma ilicitude.

SE O PJ SIMPLESMENTE NÃO QUISER NÃO TRABALHAR ALGUM DIA, PODE?

Depende de como se dá o contrato entre empregador e empregado. Se a companhia oferecer essa possibilidade, sim. Caso contrário, não.

A empresa tem direito a uma organização interna, desde que esse tipo de serviço esteja explícito no documento que formaliza a prestação de serviço.

Para não haver confusão, Bruna recomenda que o contrato contenha detalhamentos sobre prazos de aviso para faltas antecipadas, como uma viagem. Também sobre avisos posteriores relacionados a imprevistos mais corriqueiros.

A advogada afirma que contratos vagos podem causar confusões. O ideal seria detalhar tudo que é necessário.  “Depende de como é a obrigação da prestação do serviço, porque é liberdade com responsabilidade”, afirma.

PODE CONTRATAR MEI (MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL) COMO PJ?

Sim, desde que a função exercida se enquadre em algumas das categorias de atuação do MEI. O governo federal disponibiliza uma lista de quais são aqui.  No momento que um microempreendedor entra em uma empresa para realizar um trabalho que não consta nas opções, há fraude.

TEM COMO CONTRATO PJ COM VÍNCULO DE EXCLUSIVIDADE?

Sim, a depender do contrato. Apesar disso, Bruna recomenda que essa não seja uma obrigação na prestação de serviço. Ocorre que, com exclusividade, fica mais fácil de se criar uma relação similar às normas da CLT e, portanto, fraude.

O que a especialista sugere: impor limites na exclusividade. Por exemplo, estipular que o prestador não pode realizar suas atividades em uma distância “x” da sede da empresa.

PJ PODE SER DEMITIDO?

O contrato pode ser rescindido. Se estiver previsto no documento um período de contratação, ainda há direito a multa.

UM FUNCIONÁRIO PODE DEIXAR DE SER CLT E VIRAR PJ NA MESMA EMPRESA?

Sim. É preciso demitir o empregado com todos os direitos garantidos. Depois, recontratá-lo via PJ.

Entretanto, não deve sacar seguro-desemprego quando virar prestador. Pode configurar ilicitude. O Ministério Público do Trabalho identificar a ilicitude e acarretar em denúncias e processos.

UMA EMPRESA PODE OBRIGAR UM FUNCIONÁRIO CLT A SE TORNAR PJ?

Não, mas pode propor. Se ele não aceitar e houver insistência, há pano na manga para configurar assédio moral.

“Você oferece essa migração para o seu contratado. Se ele falar que não, aceita. Procura outra pessoa, treina e na hora que ela estiver pronta você demite aquele que não aceitou sem justa causa e com todos os direitos”, recomendou Bruna.

E OS DIREITOS TRABALHISTAS?

A advogada afirma que, geralmente, a contratação por pejotização tende a render mais dinheiro ao empregado porque benefícios que iam para o governo, como FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e Previdência não são pagos mensalmente pela empresa ao governo. Provisionamento com 13º salário também não.

Para quem quer ter mais dinheiro a curto prazo, pode valer a pena. Entretanto, quem quiser pensar no futuro precisaria organizar melhor as finanças para conseguir lidar com a falta de garantia no trabalho.  “Muita gente fala que não acredita no Sistema Previdenciário. Então faça sua previdência privada, compre os seus imóveis para viver de aluguel quando você for se aposentar. Mas você, que é o contratado, tem que pensar na sua aposentadoria”, recomenda Bruna.

 ALGUMA PROFISSÃO NÃO PODE TRABALHAR COMO PJ?

Aquelas cuja natureza praticamente inseparável da CLT. Um exemplo: empregada doméstica. É muito pouco provável que haja quebra de subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade.

Mesmo que pessoas dessa profissão sejam contratadas como diarista, quando há prova das 4 características, pode haver fraude.

Fonte: PODER360